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Notícia

O que significa para o Brasil fechar 2015 no vermelho?

O governo não só já está prevendo que não vai economizar nada, como ainda vai gastar mais do que conseguiu arrecadar este ano

O governo da presidente Dilma Rousseff fez sua segunda revisão para o resultado das contas públicas deste ano. Em janeiro, previa economizar 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto), ou R$ 66,3 bilhões, para pagar os juros da dívida pública. Em julho, a meta mudou para 0,15% do PIB, ou R$ 8,7 bilhões, já causando alvoroço nos mercados financeiros.

A nova revisão deve fazer ainda mais barulho: segundo a proposta encaminhada ao Congresso, o governo não só já está prevendo que não vai economizar nada, como ainda vai gastar mais do que conseguiu arrecadar em 2015, gerando o que é conhecido no jargão econômico como "déficit primário".

A nova previsão é de que as despesas ultrapassem as receitas da União em 0,8% do PIB, ou R$ 51,8 bilhões, segundo a minuta dessa proposta, divulgada pelo Ministério do Planejamento nesta terça-feira (27).

O deputado federal Hugo Leal (Pros-RJ), relator do projeto de lei para o Orçamento de 2015, diz que a previsão não contabiliza os repasses que o governo ainda precisa fazer a bancos públicos. Também pode mudar se houver problemas com o leilão das hidrelétricas, adiado recentemente para o fim de novembro e com o qual o governo pretende arrecadar R$ 11 bilhões.

Segundo a equipe econômica, suas previsões tiveram de ser revistas porque, em função da desaceleração econômica, o governo deve arrecadar neste ano menos em impostos do que estimava.

Mas, afinal, por que isso importa? E o que significa para o Brasil fechar 2015 no vermelho? Especialistas consultados pela BBC Brasil explicam essas questões em três pontos:

1 - Aumento da dívida pública

Uma pessoa que gastou mais do que ganhou em um certo mês pode cobrir o rombo em suas contas pedindo um empréstimo.

Suponhamos que essa pessoa já esteja endividada - então precisa de dinheiro emprestado não só para fechar as contas do mês, mas também para pagar as parcelas dessa dívida antiga, que no mês seguinte será ainda maior em função do novo empréstimo.

Em uma situação de déficit primário é mais ou menos isso o que acontece com o governo. "Os recursos para fechar as contas e pagar os juros da dívida são obtidos emitindo mais títulos públicos", explica Marcio Salvato, coordenador do curso de Economia do Ibmec-MG. Ou seja, o governo emite mais dívida.

"O problema é que essa emissão tende a aumentar ainda mais a dívida pública, que já cresceu de 55% para 65% do PIB em 2014. E isso impulsiona as suspeitas sobre a capacidade do Brasil pagar o que deve, levando ao aumento dos juros cobrados sobre a dívida."

A perda do grau de investimento - uma espécie de "selo de bom pagador" emitido por agências de classificação de risco - é um reflexo dessas suspeitas. A agência Standard & Poor's rebaixou em setembro a nota de crédito brasileira de BBB- para BB+, considerado grau especulativo.

Pelas classificações de outras duas agências, a Fitch e a Moody's, o Brasil está a apenas um degrau de perder esse grau de investimento e, segundo analistas, a trajetória da dívida será "decisiva" para essa definição, que pode reduzir - e encarecer - o crédito (ou seja, o dinheiro disponível para empréstimos) ao País e às empresas aqui sediadas.

2 - Armadilha da conta de juros

Para André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, embora a queda na arrecadação deva fazer um "barulho" nos mercados, o que mais preocupa na atual situação fiscal brasileira são os custos relacionados à dívida e às despesas financeiras do governo, que também vêm crescendo.

Ou seja, o governo precisa ganhar mais do que gasta para pagar os juros da dívida e outras despesas financeiras, mas o problema é que não só está arrecadando menos como essa conta de juros está crescendo de forma acelerada. "De janeiro a agosto já tivemos um aumento de cerca de 100% na conta de juros, que chegou a um total de R$ 338 bilhões", diz Perfeito.

A alta, segundo o economista da Gradual, ocorreu em função de três fatores. Primeiro, a elevação da taxa básica de juros - ou Selic - que hoje é de 14,25%. Para se ter uma ideia, há dois anos essa taxa era de 8,5%. O segundo fator seria a alta da inflação, já que alguns títulos do governo também são corrigidos por esse índice.

Além disso, os compromissos financeiros do governo também teriam crescido em função de uma série de leilões de contratos de cambial - instrumentos que equivalem à venda futura de dólares e que teriam custado mais de R$ 70 bilhões neste ano.

"O governo começou a fazer esses contratos, nos quais se compromete a vender dólar a um determinado valor, para ajudar as empresas endividadas em moeda americana a se protegerem. Mas como o dólar subiu muito, acabou no prejuízo", afirma Perfeito. Salvato acrescenta o próprio crescimento da dívida como um quarto fator que também impulsiona a conta dos juros.

E um problema adicional, segundo analistas, é que se o déficit primário faz a dívida crescer e aumenta as suspeitas sobre a capacidade de o Brasil pagar o que deve, também faz com que seja mais difícil reduzir os juros.

"Isso porque os investidores pedem uma remuneração maior para assumir o risco de emprestar para o Brasil", diz Fábio Klein, economista da consultoria Tendências.

O resultado seria um ciclo vicioso em que o governo não consegue pagar a conta de juros porque ela é muito alta e, ao mesmo tempo, porque o governo não consegue pagar, os juros não cedem e a conta continua aumentando.

3 - Ajuste fiscal

Quando o governo estabelece uma meta fiscal e a cumpre, sinaliza que as contas públicas estão sob controle e a economia está caminhando na direção prevista. O anúncio da meta também tem como objetivo dar previsibilidade a investidores e agentes econômicos.

A primeira revisão da meta em julho já enfureceu os mercados. A expectativa dos analistas era que a nova meta fosse de 0,4% ou 0,5% do PIB. Quando foi anunciado que seria 0,15%, o dólar disparou, a bolsa caiu e aumentaram as apostas de que os juros deveriam continuar subindo.

No corte drástico, porém, a equipe econômica justificou que seria preferível uma meta menor, mas "realista". A nova revisão pode pôr em xeque esse suposto "realismo" e o próprio ajuste fiscal.

Para alguns economistas e analistas do mercado, a mudança representa um afrouxamento do compromisso com o ajuste e a recuperação das contas públicas. Na visão desse grupo, o governo deve cortar mais gastos e aumentar os impostos para se mostrar "comprometido" com o equilíbrio das contas.

Já economistas heterodoxos tendem a ver a queda na arrecadação como um sinal de que as medidas recessivas que já vêm sendo adotadas pelo governo não estão funcionando, ou são duras demais. Para eles, o ajuste fiscal e o aperto da política monetária estariam acabando com o "dinamismo" da economia.

Ambos tendem a concordar, porém, com a necessidade de medidas estruturais, como uma mudança nas regras da Previdência, para colocar as contas públicas em uma trajetória mais sustentável no longo prazo.

"Medidas estruturais que mostrem o compromisso em reduzir o déficit e controlar as contas públicas no longo prazo poderiam reverter um pouco a frustração com esses resultados de curto prazo", diz Klein. "O problema é que no atual cenário político seria difícil o governo conseguir uma base de apoio para tirar essas medidas do papel."